Ainda antes dos badalos, eram os ingleses. Anglo-portuguese. Quer dizer, administração inglesa, pessoal português. Isso acabou, e vieram os badalos. O nome foi logo um tiro no pé: 'Telefones de Lisboa e Porto.' Logo ali a limitar a geografia do país. Quer dizer, administração de Lisboa, pessoal de todo o país, sem esquecer os primos do Porto, conforme herança inglesa adaptada.
Ao nível dos quadros, havia os técnicos e os engenheiros. Os técnicos percebiam dos circuitos elétricos, dos relés, dos sistemas, das coisas técnicas - os engenheiros nem por isso, ou melhor, podiam perceber, mas não necessariamente, vinham para gestores. Os técnicos tinham inveja, queriam ser tratados por engenheiros, senão devolviam o 'senhor(a)', apelidos para os homens, nomes próprios para as mulheres. Os engenheiros sabiam matemática. E estavam destinados à carreira que lhes prometia mais tarde os tão ambicionados lugares de topo, na administração, bem entendido, porque os sócios do capital é quem manda na verdade, e falarão por si.
Foi neste estado de coisas que vieram as cornetas e foram integradas nos badalos, como parentes pobres, falo dos correios. Mais tarde vieram os príncipes, da Marconi, com os seus ordenados chorudos, uma mão cheia de bafejados a proporcionar lucros a condizer, habituados a uma autonomia impossível na nova situação, os ordenados ainda talvez, se fossem promovidos, a autonomia não... e toda essa amálgama gerou a PT, as suas comissões de trabalhadores, a desigualdade e a desordem portuguesa no seu esplendor - há memória de um conflito laboral porque os baldes de lixo tinham badalos e não cornetas, ou de um administrador espantar uma reunião geral de trabalhadores pela forma como incentivava o seu interlocutor a expor as suas questões dizendo: 'diga, diga, que não há perguntas estúpidas, há é pessoas estúpidas com dúvidas'... de forma que tudo isto se passou na época do esplendor do caos.
E ainda estava fresca esta integração difícil entre badalos, cornetas e príncipes, apesar de tudo uma companhia nacional, sustentável e sustentada pelos contribuintes à medida das necessidades, quando os tempos mudaram e a evolução da técnica gerou os telemóveis, e outra companhia foi criada dentro da PT, chamada TMN. Não só a técnica tinha evoluído, a tendência gananciosa dos negócios também, e assim, enquanto a antiga PT mantinha os seus quadros e o seu batalhão de técnicos que conheciam a fundo a sua rede de telecomunicações, e a mantinham a funcionar, as novas tendências diziam não a esse modelo, vamos sub-contratar tudo, mantendo apenas um núcleo comercial e financeiro na companhia. Estávamos já na época do esplendor do nada.
Isto foi assim também nas energéticas, quem está está, fica na prateleira, e quem vier é para vender coisas, não precisamos de engenheiros, só precisamos de alguns vendedores, outros administradores, e é claro, investidores. Esqueceram-se esses estrategas dos custos enormes desses serviços básicos quando subcontratados, ou seja, modernamente gastavam-se fortunas pelo trabalho que antes era feito por modestos assalariados da companhia. Mas os contribuintes continuavam a pagar, não havia como contornar isso. E depois vieram as aventuras brasileiras, a ver quem era mais manhoso e oportunista, demos com os maiores especialistas na matéria e foram dois anos a trabalhar em vão para o outro lado do atlântico, cuja realidade e dimensão, desconhecida para nós até então, nos deslumbrou... e desmembrou.
Até que o buraco financeiro deu no que deu, os tais investidores das casas de papel viram ruir o baralho de cartas e a maior empresa portuguesa deu o tombo, com a conivência e complacência de todos, escândalos bancários e financeiros à mistura, para voltarmos ao início, desta vez ficou Franco-portugais. Quer dizer, administração francesa, pessoal português. Vão-se as cornetas, fiquem os badalos.