domingo, 19 de setembro de 2021

Cornetas e badalos - uma história das telecomunicações em Portugal

Ainda antes dos badalos, eram os ingleses. Anglo-portuguese. Quer dizer, administração inglesa, pessoal português. Isso acabou, e vieram os badalos. O nome foi logo um tiro no pé: 'Telefones de Lisboa e Porto.' Logo ali a limitar a geografia do país. Quer dizer, administração de Lisboa, pessoal de todo o país, sem esquecer os primos do Porto, conforme herança inglesa adaptada.

Ao nível dos quadros, havia os técnicos e os engenheiros. Os técnicos percebiam dos circuitos elétricos, dos relés, dos sistemas, das coisas técnicas - os engenheiros nem por isso, ou melhor, podiam perceber, mas não necessariamente, vinham para gestores. Os técnicos tinham inveja, queriam ser tratados por engenheiros, senão devolviam o 'senhor(a)', apelidos para os homens, nomes próprios para as mulheres. Os engenheiros sabiam matemática. E estavam destinados à carreira que lhes prometia mais tarde os tão ambicionados lugares de topo, na administração, bem entendido, porque os sócios do capital é quem manda na verdade, e falarão por si.

Foi neste estado de coisas que vieram as cornetas e foram integradas nos badalos, como parentes pobres, falo dos correios. Mais tarde vieram os príncipes, da Marconi, com os seus ordenados chorudos, uma mão cheia de bafejados a proporcionar lucros a condizer, habituados a uma autonomia impossível na nova situação, os ordenados ainda talvez, se fossem promovidos, a autonomia não... e toda essa amálgama gerou a PT, as suas comissões de trabalhadores, a desigualdade e a desordem portuguesa no seu esplendor - há memória de um conflito laboral porque os baldes de lixo tinham badalos e não cornetas, ou de um administrador espantar uma reunião geral de trabalhadores pela forma como incentivava o seu interlocutor a expor as suas questões dizendo: 'diga, diga, que não há perguntas estúpidas, há é pessoas estúpidas com dúvidas'... de forma que tudo isto se passou na época do esplendor do caos.

E ainda estava fresca esta integração difícil entre badalos, cornetas e príncipes, apesar de tudo uma companhia nacional, sustentável e sustentada pelos contribuintes à medida das necessidades, quando os tempos mudaram e a evolução da técnica gerou os telemóveis, e outra companhia foi criada dentro da PT, chamada TMN. Não só a técnica tinha evoluído, a tendência gananciosa dos negócios também, e assim, enquanto a antiga PT mantinha os seus quadros e o seu batalhão de técnicos que conheciam a fundo a sua rede de telecomunicações, e a mantinham a funcionar, as novas tendências diziam não a esse modelo, vamos sub-contratar tudo, mantendo apenas um núcleo comercial e financeiro na companhia. Estávamos já na época do esplendor do nada.

Isto foi assim também nas energéticas, quem está está, fica na prateleira, e quem vier é para vender coisas, não precisamos de engenheiros, só precisamos de alguns vendedores, outros administradores, e é claro, investidores. Esqueceram-se esses estrategas dos custos enormes desses serviços básicos quando subcontratados, ou seja, modernamente gastavam-se fortunas pelo trabalho que antes era feito por modestos assalariados da companhia. Mas os contribuintes continuavam a pagar, não havia como contornar isso. E depois vieram as aventuras brasileiras, a ver quem era mais manhoso e oportunista, demos com os maiores especialistas na matéria e foram dois anos a trabalhar em vão para o outro lado do atlântico, cuja realidade e dimensão, desconhecida para nós até então, nos deslumbrou... e desmembrou.

Até que o buraco financeiro deu no que deu, os tais investidores das casas de papel viram ruir o baralho de cartas e a maior empresa portuguesa deu o tombo, com a conivência e complacência de todos, escândalos bancários e financeiros à mistura, para voltarmos ao início, desta vez ficou Franco-portugais. Quer dizer, administração francesa, pessoal português. Vão-se as cornetas, fiquem os badalos. 


domingo, 12 de setembro de 2021

Mouros e Lusitanos

Aviso já que não sou de História, apenas achei curiosa a informação no mapa animado deste blog (4.BP.BLOGSPOT.COM), que vale o que vale, e deixo aqui algumas divagações. Não me dei ao trabalho de confirmar as datas mencionadas no mapa, por isso omiti a maior parte delas. 

Sempre me fez impressão essa dos mouros. Muitos portugueses, em especial no norte do país, estão convencidos que os povos muçulmanos, ditos mouros, nunca invadiram o território português do norte (uns acham que de Coimbra para cima não, outros do Porto para norte). Isso não é verdade, porque é histórico que o Al-Andalus invadiu e dominou a península ibérica quase toda, por volta do ano 720 (simplificando as datas) - apenas uma pequena faixa do norte da península, que será hoje parte do país basco, não era dominado pelos mouros, mas pelo povo das Astúrias (os Visigodos de Pelágio).

Mais tarde esse mesmo povo das Astúrias reconquistou aos mouros parte do território a norte, ficando o reinado mouro de Córdoba apenas com os territórios abaixo de Coimbra. Até que surge o reino de Leão, que substitui na zona o das Astúrias, sendo do lado dos mouros o reino de Córdoba substituído pelos vários reinos mouros chamados Taifas. É desse reino de Leão que sai o condado Portucalense e o reino de Portugal, como sabemos, cerca de um século mais tarde, ali à volta do ano 1140 como sabemos.

Os mouros ainda mantém a presença na península durante mais uns séculos, até 1492, mas quanto a domínio sobre algum território português, os Almohades ocuparam o que é hoje parte do Alentejo e o Algarve, só até cerca do ano 1200. Mas é claro, como Portugal é formado na reconquista dos cristãos aos mouros na península ibérica, há essa mania.

Sobre os Lusitanos, e a identificação nacional com esse nome, ouvimos falar da Lusitânia nas lutas do Viriato contra a invasão dos Romanos. Mas a Lusitânia só existiu como reino, segundo o dito mapa animado, abrangendo todo o território nacional e algum de Espanha durante um par de séculos, antes da chegada dos mouros. Curioso o facto de os Visigodos nunca terem expulso os Suevos do norte da península, incluindo o norte do território que hoje é Portugal.

Indo ainda mais atrás, que dizer deste facto: os Celtas ocuparam o nosso território durante cerca de 3000 anos, até à chegada dos Romanos, e todos esses povos que ocuparam a península depois estiveram cá somente cerca de 2000.



segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Ineconomia

Uma ramificação expressiva do brutamontismo deu origem à ineconomia; o termo não existe, mas já foi utilizado em manifestações artísticas brasileiras - comecei por tentar o termo mais óbvio 'deseconomia', mas pesquisei na internet e esse já existe, cuja definição é a seguinte: "a ausência de competência ou eficácia no uso de meios produtivos, provocando um aumento do custo de produção". Logo desisti de o usar, porque não é nada disso que eu queria dizer. 

Aconteceu comigo outro dia, a máquina de lavar avariou, manda-se vir o eletricista, que diz que "é do painel, dantes era só substituir um fusível, uns poucos cêntimos, agora nem lhe toco, se lhe mexer nem da reparação posso dar garantia, tem de contactar um técnico da marca, que vai substituir todo o painel da eletrónica, que lhe vai custar mais de 100 euros só em material." E ainda acrescenta: "Desconfio que eles têm lá um software contador de lavagens e chegando ao número xis, a eletrónica fica disfuncional... e a máquina... fica sem funcionar, pronto".

Outro exemplo é a estratégia dos fabricantes de telemóveis para garantir que são substituídos por novos passados uns poucos anos. Desconfio eu que certos componentes são programados para, passados um par de anos, começarem a "chupar" energia, descarregando as baterias, por forma a que nem a substituição das baterias possa produzir o efeito desejado, só restando uma opção ao consumidor: comprar um novo e descartar o anterior.

Chamo a este estado de coisas 'ineconomia', em que há excesso de tudo, mas nada dura - os carros, os electrodomésticos, todo o tipo de aparelhagens, que em tempos que já lá vão eram feitos para durar a vida toda, ou pelo menos vinte anos, por exemplo, deixaram de o ser, propositadamente, para obrigar o consumidor a renovar a compra indefinidamente num período mais curto, por exemplo, um carro a cada cinco anos, um telemóvel a cada dois.

Convém esclarecer que a ineconomia não implica deseconomia: ausência de competência? Não; ineficácia no uso de meios produtivos? Também não. Aumento de custos de produção? Não. Do ponto de vista dos fabricantes, não existe ineficácia, ou se existir, essa ineficácia é propositada, e como dá lucros, transforma-se em eficácia. Logo não há deseconomia nos exemplos acima, trata-se de uma estratégia de sobrevivência (legítima?) dos fabricantes... 

Mas do ponto de vista das pessoas, a noção de economia pressupõe uma melhor utilização dos recursos existentes, associada a uma noção de poupança também, e desse ponto de vista, dada a forma como a nossa economia atualmente funciona, proponho que seria melhor definida como ineconomia. E para rematar, as consequências nefastas para a economia das pessoas, e os desequilíbrios ambientais devido ao excesso de lixo e entulho, não são imputáveis a ninguém, porque todos acabamos por ser coniventes.

Tiro algumas conclusões daqui: quando uma economia, para dar lucro a alguns, dá prejuízo a quase todos, estamos perante um conflito de interesses, o qual é escondido, como se não existisse - e portanto, o que para uns (poucos) representa uma economia, para outros (muitos) é mais uma ineconomia. Mas então como se explica que todos aceitemos esta situação lesiva dos interesses da humanidade, do planeta? Explica-se porque os negócios mandam nos governos, e os governos em todos nós.

domingo, 5 de setembro de 2021

Brutamontismo

Estava eu a pensar do fenómeno do 'bullying', que embora seja atual, dá-me ideia que existiu desde sempre na sociedade humana; isso pode sugerir a alguns a noção de que é também parte da natureza humana, e portanto inevitável. Defendo outra coisa, que em determinada fase da evolução humana foi sugerido por alguém abandonarmos a chamada lei da selva, ou lei do mais forte, e que a ideia de civilização surgiu em oposição a essa lei da selva. A civilização será assim, entre outras coisas, uma tentativa de acabar com o 'bullying'. 

Adiante, ao pesquisar a tradução de 'bully' como substantivo, a que gostei mais foi esta: 'brutamontes'. Há outra lá perto: 'rufia', ou ainda outra, como adjetivo: 'buçal'. Mas isso já nos leva para um estereótipo que relaciona o fenómeno do 'brutamontismo' - avivemos a língua portuguesa e inventemos novas palavras - com o baixo nível de maneirismo social, o que nem sempre é verdade. Porque educação e maneirismo são conceitos distintos.

Porque o 'brutamontismo' está instalado em todas as camadas sociais. De facto, é praticado e estimulado na nossa sociedade. Os governos praticam-no sobre os cidadãos. As classes dirigentes sobre as mais desfavorecidas. Estas, por sua vez, conspiram para fazer exatamente o oposto, e se o conseguem passam a praticar o 'brutamontismo' sobre as classes mais elevadas. Os políticos assumem frequentemente poses de brutamontes para assim conquistar as suas audiências. Falo em especial dos chamados populistas, mas quase todos o fazem em maior ou menor grau - é claro, com honrosas exceções (os verdadeiros líderes).

Li um artigo sobre o assunto que dizia que 70% das pessoas numa situação de 'brutamontismo' tanto podem estar a favor do brutamontes como contra ele, dependendo da aceitação social que o brutamontes e a respetiva vítima tiverem nesse grupo. Logo a maioria das pessoas tanto pode alinhar com o brutamontes ou não, a sua atitude vai depender da rejeição moral instituída ou não nessa sociedade contra o fenómeno. 

É preciso portanto estar avisado e bem preparado contra o 'brutamontismo'. Mas como fazer isso, se vivemos numa sociedade em que essa característica é estimulada e exemplificada todos os dias pelos nossos líderes (mais uma vez, os falsos), através dos meios de comunicação social, tomando a forma de luta política, chamada até democrática? 

E nem só na arena política, se falarmos do futebol a situação é ainda mais caricata. E não é inocente. O brutamontes, para seu próprio benefício, e tirando partido de condicionantes sociais e geográficas particulares, pode mesmo criar graves e autênticos cismas ao nível da coesão nacional, como constatei recentemente numa viagem de férias ao norte do país... para bom entendedor, meia palavra basta.

Objetivos 2023

Apresentação do album 'Catch 22' in English -  https://cantodassereiascontentor.blogspot.com/2022/12/about-album-catch-22.html Portu...