A minha melhor composição chama-se "Gosto e não gosto". Já foi há uns anos, até deixei de a ouvir, mas quando recentemente resolvemos repescar temas antigos do Contentor, para completar uma eventual atuação ao vivo, que pode acontecer ou não este verão - e quando a recordei, sentenciei: é a minha melhor composição - musical bem entendido, porque à letra só dei o título - que sugeri ao Miguel, que escreveu o resto. Era sobre isto que queria escrever hoje, e não sabendo por onde lhe pegar, pego-lhe por qualquer lado.
Acabo de ler o Mia Couto no seu 'mapeador de ausências', fazem-me falta livros assim, só quando acabei é que dei conta da companhia que me fez esse livro, quem não lê perde um bom amigo todos os dias. Gostei e não gostei. Faz falta haver sempre algo de que não se gosta também. Opto por não começar logo "A mulher do quimono branco", Ana Johns, que está já na calha. É que fiz uma subscrição de 5,99 por mês no meu ebook, passe a publicidade, assim já sei o que vou ler a seguir. Boas prendas estes ebooks que demos um ao outro no natal passado, eu e a Quica, a minha mãe completou as prendas com as respetivas capas.
Em vez de começar a ler o próximo pus-me a escrever estas banalidades, mas faltam-me as palavras para espantar os meus fantasmas, quando os procuro para me redimir já lá não estão, quando os evito acenam-me outra vez, como quem diz: é melhor aprendermos a viver juntos, porque nunca nos vamos ir embora. Chama-se a isso o passado, aquilo que não se pode tocar. Enquanto isso o futuro, como ainda não está cá, abstém-se.
Já deixei de ter futuro. Isto é apenas uma constatação, o que em nenhum sentido é negativo, antes realista. É até positivo, ainda bem, gosto de ser realista, aproxima-me da verdade. O equívoco maior que observo nos que me rodeiam é confundir a felicidade com o realizar dos sonhos. Isso é um equívoco. A felicidade não é o realizar dos sonhos. Ou melhor, será o realizar dos sonhos mais profundos, que nem sabemos que temos, mas não o realizar dos sonhos emprestados pela nossa educação etc. e tal. Felizmente pertenço a uma geração que se rebelou contra o status quo, o dos sonhos emprestados pelas gerações anteriores.
Lembro-me a propósito do pianista Chic Corea de pé no palco do coliseu de Lisboa, a dizer ao público que o ovacionava no fim do espetáculo: "I must be happy" - e eu interpreto o que ele quiz dizer assim: quem não ficaria feliz com isto, excepto eu? Porque eu... eu só fico feliz quando me distraio de mim com qualquer coisa, por exemplo a tocar... só então me encontro, quando me distraio de mim. Subentendi o que ele queria dizer: agora assim a baterem palmas não consigo.
Portanto, em vez de 'gosto', prefiro 'gosto e não gosto', não creio que vá algum dia haver essa opção nas redes sociais. É demasiado ambígua. Mas traduz este cenário, em relação ao que gostamos realmente, é que pode vir - e vem - encapsulado com o que não gostamos. Vou dar um exemplo, uma das memórias que guardo para sempre como momento feliz passou-se de noite, numa ocasião em que fui apanhado fora de casa sem guarda chuva e sem ter onde me abrigar, e me foram literalmente despejados sobre a cabeça baldes e baldes de água da chuva, até que desisti de me abrigar e a recebi e braços abertos, rindo a bandeiras despregadas - no entanto, se me perguntarem, não, não gosto de apanhar chuva. Donc concluo: só se é feliz se... obrigado.
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